terça-feira, 22 de junho de 2010 às 14:27

Poema à boca fechada

Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.

Calado estou calado ficarei,

Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,

Se represam cisterna de águas mortas,

Ácidas mágoas em limos transformadas,

Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,

Palavras que não digam quanto sei

Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais bóiam mortos, medos,

Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam

No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,

Que quem se cala quando me calei

Não poderá morrer sem dizer tudo.

**José Saramago**