terça-feira, 20 de julho de 2010 às 13:35

**Enquanto a chuva cai**

A chuva cai. O ar fica mole. . .

Indistinto. . . Ambarino. . . Gris. . .

E no monótono matiz

Da névoa enovelada bole

A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,

As velhas árias funerais.

Minh'alma sofre e sonha e goza

À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento

De tão ardido pelo pranto.

Dai um brando acompanhamento

À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados. . .

Dos sós. . . — ouvir a água escorrer,

Lavando o tédio dos telhados

Que se sentem envelhecer. . .

Ó caro ruído embalador,

Terno como a canção das amas!

Canta as baladas que mais amas,

Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.

Cai, benfazeja, a bom cair!

Contenta as árvores! Contenta

As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!

Ó água amiga das raízes,

Que na mudez das terras fundas

Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas

Ao sopro mau dos vendavais

As grandes árvores antigas,

Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,

Voz de cortante, álgida mágoa,

Aprendi na cidade a ouvir

Como um eco que vem na aragem

A estrugir, rugir e mugir,

O lamento das quedas-d'água!

**Manuel Bandeira**